Nas últimas décadas, tem se falado com maior frequência em Regulação Emocional e suas contribuições para a Terapia Cognitivo-Comportamental e para a Psicoterapia em geral. Os estudos mostram que o interesse no tema vem aumentando a cada vez mais e que essas estratégias vêm sendo implementadas pelos psicólogos na clínica para diferentes formas de tratamentos (Gross, 2013; Koole, 2009).
Sabemos que as emoções são partes fundamentais do nosso funcionamento e que sem elas não conseguiríamos nos adaptar ao mundo. Elas nos ajudam a lembrar o que é importante para nós, reconhecer o perigo, tomar decisões e agir adotando comportamentos para lidar com a situação. O problema não está em sentir as emoções desconfortáveis (como a raiva ou o medo, por exemplo) e sim na forma como as pessoas lidam com elas. Ter consciência desses sentimentos, aceitar que eles se fazem presentes e reconhecer que agimos sob a influência dos mesmos, sem que isso nos cause problemas no futuro, são os objetivos da terapia. Para isso, utilizamos as Estratégias de Regulação Emocional.
Na clínica, frequentemente nos deparamos com pacientes que têm dificuldades em conviver amigavelmente com as suas emoções. Por isso, muitos acabam utilizando estratégias desadaptativas para regulá-las. O problema é que essas tentativas às vezes não funcionam, ou então trazem um alívio imediato, mas acabam por gerar problemas e mais emoções desconfortáveis no futuro.
Regulação Emocional na terapia
Como terapeutas cognitivos-comportamentais, muitas vezes é atribuído a nós o papel “racional” e “não emotivo” pelos nossos pacientes. A nossa cultura influencia diretamente a forma de pensar sobre as nossas emoções. Muitas pessoas ainda acreditam que sentir medo é um sinal de fraqueza, da mesma forma como demonstrar tristeza é visto por muitos como vulnerabilidade. Segundo Leahy (2016), essas ideias e crenças que temos sobre nossas emoções são os chamados esquemas emocionais, e tais esquemas influenciam diretamente a forma como nos relacionamos com as emoções.
De forma geral, um terapeuta possui um bom entendimento dos seus sentimentos. Ele reconhece que está sentindo, aceita que está sendo influenciado por esses sentimentos e tenta agir de forma congruente com seus objetivos, mesmo com a emoção em curso. Quando uma pessoa consegue regular suas próprias emoções através de estratégias adaptativas, é empregado o termo Regulação Emocional Intrínseca. Entretanto, quando o indivíduo não consegue fazer uso de boas estratégias para se autorregular e precisa de alguém para auxiliá-lo, chamamos de Regulação Emocional Extrínseca (Gyurak et al, 2011).
Elis e seu terapeuta combinaram que uma terceira pessoa seria incluída na relação. Ela sofre de Fobia Social e quando está na presença de seus colegas de sala de aula na faculdade, acredita que eles estão percebendo sua ansiedade e julgando-a. Ela diz que quando está “muito ansiosa” tende a falar muito rápido e interromper seus companheiros. Seu namorado, André, compreende suas limitações e tenta ajudá-la. Foi acordado que quando ela estivesse conversando com seus amigos e André estivesse presente, ele ficaria atento para perceber esses detalhes e lhe faria um pequeno sinal, como um toque nas mãos. Assim, Elis conseguiria perceber suas emoções e buscar uma mudança no seu comportamento, conversando com mais tranquilidade e menos medo de estar “atropelando os colegas” sabendo que seu namorado estaria do seu lado auxiliando-a.
O uso das estratégias de regulação emocional em psicoterapia tem sido frequentemente empregado pelos psicólogos e terapeutas cognitivo-comportamentais. É necessário que as técnicas que serão implementadas estejam de acordo com a demanda apresentada pelo paciente. Assim, essas ferramentas podem ser úteis e complementares na prática clínica. Algumas técnicas que podem ser implementadas como estratégias de Regulação Emocional são: manejo do estresse, intervenções baseadas na aceitação, reestruturação cognitiva e mindfullness (Leahy, 2013).
A Terapia Comportamental Dialética (TCD) é uma abordagem contemporânea que visa melhorar a qualidade de vida das pessoas em profundo sofrimento adotando métodos que permitem lidar de forma efetiva com a nossa atenção, promover o aprendizado e técnicas de regulação das emoções, bem como desenvolver maior tolerância ao mal-estar e intervir no nosso próprio comportamento (Linehan, 2018). Todos esses métodos, se utilizados de forma inteligente, podem compor um arsenal de ferramentas para o terapeuta cognitivo-comportamental na prática clínica.
Comorbidades e o trabalho com emoções
Conforme já mencionado, as estratégias de Regulação Emocional podem ser muito úteis se utilizadas de forma adequada. Questões pontuais como estresse no trabalho, problemas no relacionamento e até mesmo dificuldades em lidar com novas rotinas podem ser manejadas com a utilização dessas técnicas. Contudo, o trabalho com as emoções também é indicado para casos de Transtornos de Ansiedade, Transtornos de Humor, Transtorno de Personalidade Borderline e Transtornos Alimentares.
Além desses, existe uma alta taxa de comorbidades (quando dois ou mais desses quadros se manifestam ao mesmo tempo). Na verdade, estudos mostram que existe uma possibilidade maior dos pacientes desenvolverem comorbidades do que transtornos isolados. O Protocolo Unificado (PU) é uma forma de tratamento transdiagnóstico com enfoque nas emoções e tem se mostrado muito eficaz nesses casos. Ele é composto por oito módulos que buscam promover a motivação para o tratamento e mudança, psicoeducação e acompanhamento de experiências emocionais, treinamento de conscientização das emoções, aumento da flexibilidade cognitiva, prevenção de evitação das emoções, consciência e tolerância das sensações físicas, exposição às emoções e prevenção de recaídas (Barlow, 2016).
Emoções em alta
Nas últimas décadas o tema tem ganhado cada vez mais espaço nas revistas científicas e nos livros de TCC. Com o surgimento das Terapias de Terceira Onda, muitas formas de tratamento ficam em destaque e ganham novos estudos, além disso, vários desses modelos têm as emoções como uma parte importante. Como consequência, terapeutas do mundo todo têm colocado as estratégias de Regulação Emocional em suas caixas de ferramenta na clínica. No Brasil, ainda temos poucos estudos em sobre os processos emocionais e, como consequência, poucos instrumentos de avaliação para populações clínicas.
As emoções são fundamentais e podem determinar nossa qualidade de vida. Saber reconhecê-las, aceitá-las e respeitá-las pode ser um caminho mais longo, porém mais seguro.
Para saber mais...
Gross, J. J. (2013). Emotion regulation: Taking stock and moving forward. Emotion, 13(3), 359–365.
Koole, S. (2009). The psychology of emotion regulation: An integrative review. Cognition and Emotion, 23(1), 4–41.
Gyurak, A.; Gross, J.J; Etkin, A. (2011) Explicit and implicit emotion regulation: a dual process framework. 25 (3), 400-412.
Leahy, R.L. (2013). Regulação Emocional em Psicoterapia: um guia para o terapeuta cognitivo-comportamental. Porto Alegre: Artmed.
Leahy, R. L. (2016). Terapia do Esquema Emocional. Porto Alegre: Artmed.
Barlow, D.H. (2016) Manual Clinico dos Transtornos Psicológicos: Tratamento Passo a Passo. Porto Alegre: Artmed.
Linehan, M. (2018) Treinamento de Habilidades em DBT: manual de terapia comportamental dialética para o paciente. Porto Alegre: Artmed.
Sobre o Autor
Richard Ferreira
Psicólogo, graduado pelo Centro Universitário Celso Lisboa, formando em Terapia Cognitivo-Comportamental (Ação Cognitiva). Pesquisador nas linhas de Regulação Emocional, Funções Executivas, Percepção do Tempo e Avaliação Psicológica e Adaptação Cultural de Instrumentos de avaliação.
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