Apesar de ainda gerar controvérsias, muitas vezes advindas de escassas informações sobre o assunto, tem sido bastante comum a procura por psicoterapia infantil.
Se de um lado há quem pense que determinados comportamentos que a criança apresenta são apenas fases que vão passar com o tempo ou que crianças são pequenas demais para ter problemas mais comumente identificados em adultos, do outro lado há profissionais capazes de identificar que muitos medos, angustias, e tantas outras emoções demonstradas através de comportamentos, podem ser situações de um momento ou sinais e sintomas de um transtorno que precisa de intervenções mais objetivas.
Nem sempre é fácil perceber o momento adequado para a busca de uma psicoterapia para a criança. Em geral, os encaminhamentos chegam por meio da escola ou de um pediatra que verificam que determinadas mudanças no comportamento estão acontecendo.
Os comportamentos que mais comumente geram queixas são aqueles relacionados a agressividade: porque bate muito no irmão ou nos colegas; apresenta dificuldades de aprendizagem; enurese noturna (fazer xixi na cama); possui dificuldades para dormir; ansiedade; timidez; dificuldades com atenção e hiperatividade, dentre outros.
Faz-se necessário refletir se tais queixas são geradas ou estão de alguma forma relacionadas com problemas de ordem social ou familiar, como: separação dos pais, morte de um ente querido, um irmão que vai nascer ou nasceu recentemente, desentendimentos frequentes na família, bullying na escola, entre outras possíveis situações vivenciadas direta ou indiretamente pela criança. Por isso, é preciso verificar as origens do comportamento apresentado, uma vez que nem sempre a criança vai usar a linguagem para se expressar. Ela vai evidenciar através de seu comportamento que algo não vai bem, deixando à mostra seu sofrimento emocional.
É exatamente nessa fase que a psicoterapia infantil se torna essencial, uma vez que o terapeuta não vai trabalhar com os rótulos que a criança chega no consultório, mas sim com o que está originando ele.
Vamos pensar num exemplo mais prático. Imagine uma criança que chega com uma queixa de que está fazendo muita “birra”. Para o terapeuta, “birra” é um rótulo. O que ele realmente vai querer descobrir é como essa birra pode ser descrita: é choro constante sem motivo aparente? É agressividade? É isolamento das demais pessoas ao seu redor? Enfim, o trabalho será para descrever que comportamentos podem ser identificados. Além dos comportamentos, o terapeuta buscará quais são as principais emoções envolvidas e que pensamentos deram origem a tudo isso.
Terapia cognitivo comportamental com foco na criança
Atualmente a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) focada na criança é uma forma popular de psicoterapia amplamente utilizada para uma grande variedade de problemas de saúde mental apresentados por crianças e adolescentes. A TCC se baseia na ideia de que aquilo que sentimos e fazemos é influenciado por aquilo que pensamos.
Paul Stallard (2007), um importante psicoterapeuta infantil, afirma que as bases científicas da TCC focada na criança têm sido demostradas por meio de inúmeros estudos que resultaram na crescente convicção, por parte dos terapeutas, de que a TCC é o tratamento de escolha para muitos transtornos. Usando uma forma simples, podemos afirmar que a TCC é o padrão ouro para o tratamento de diversos transtornos apresentados na infância.
Ao contrário do que possa parecer, a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) não é uma intervenção homogênea realizada de maneira engessada, rígida. Ela adota variadas estratégias combinadas e empregadas de diferentes formas com um grupo variado de pacientes, de diferentes idades, diferentes níveis de desenvolvimento cognitivo, linguístico e social. Portanto, tem a capacidade e os meios de acessar a criança.
Sabe-se que as crianças podem apresentar certas limitações, preferências e interesses diferentes dos adultos. Sentar e falar de seus problemas para outra pessoa que não conhece pode tornar-se perturbador para as crianças. Portanto, a TCC com crianças é regulada de modo a adaptar-se às suas capacidades verbais e cognitivas. São as técnicas terapêuticas que devem se adequar à criança, e não o contrário (Hadler e Pergher, 2011).
As técnicas terapêuticas serão muito mais não verbais e com o uso de ferramentas lúdicas e participativas do que verbais. Com isso, a possibilidade de engajamento da criança na terapia será mais facilmente potencializada pois jogos, fantoches e marionetes, dramatizações, narração de histórias, histórias orientadas, histórias terapêuticas, geração de imagens mentais, histórias em quadrinhos e balões de pensamentos são alguns recursos que podem facilitar o processo terapêutico.
Utiliza-se o brinquedo como método para acessar as formas de pensar. Aqui, ele não tem só o valor de divertimento, mas é uma forma de entrar no mundo da criança e trabalhar cognições (pensamentos), emoções e comportamentos em relação ao seu problema. É por meio do brinquedo que a criança irá expressar seus sentimentos de tristeza, alegria, preocupação, etc. Assim, não seria sensato deixar de fora da terapia um recurso tão importante no desenvolvimento infantil. A diferença da utilização do brinquedo na Terapia Cognitivo Comportamental se dá por trabalharmos com pensamentos, emoções e comportamentos que interferem no funcionamento das crianças no seu dia a dia. Para acessarmos esses elementos, precisamos de meios que a criança conheça para se sentir tranquila; por isso, sua utilização como meio da criança expressar os sentimentos e emoções em relação ao problema (Hadler e Pergher, 2011).
O brinquedo é um instrumento concreto, é algo que se pode mexer, tocar, ver, experimentar e a resposta da criança para determinado brinquedo também é concreta pois ela responde aquilo que é de fácil entendimento para ela, proporcionando algo extremamente desejável para uma terapia que tem por objetivo trabalhar com o problema atual da criança que, muitas vezes, não sabe explicar como está se sentindo.
Participação dos pais na terapia com crianças
De forma geral, em toda abordagem de psicoterapia infantil, o trabalho com os pais será necessário e fundamental para os bons resultados clínicos.
Na literatura cognitivo-comportamental focada na criança, encontra-se frequentemente a necessidade de envolver os pais, principalmente com a finalidade de maximizar os benefícios, tanto para as crianças quanto para a família como um todo. Os pais são vistos pela TCC como peças fundamentais da aliança terapêutica, base para uma eficaz avaliação diagnóstica, bem como para um processo terapêutico com bons resultados (Caminha, 2011).
No processo terapêutico com as crianças, inicialmente os pais serão ensinados no modelo cognitivo comportamental a fim de identificarem o que dispara o comportamento das crianças e influencia as chances de determinado comportamento acontecer repetidas vezes. Além disso, ensina uma série de técnicas comportamentais envolvendo planejamento diários e semanais.
A participação dos pais ajuda a apoiar os princípios do tratamento, transmitindo à criança mensagens consistentes sobre o valor das habilidades que ela está aprendendo na terapia. O uso dessas habilidades fora das sessões de atendimento pode ser monitorado, estimulado e reforçado pelos pais. Além disso, são tratados os comportamentos parentais que podem estar influenciando o comportamento da criança.
Esse envolvimento direto dos pais na terapia vai variar dependendo da natureza do problema, da idade ou nível cognitivo que a criança tem. O foco e a ênfase das intervenções também variam, tanto com relação aos problemas da criança quanto a sessões separadas com foco específico nos pais. O equilíbrio entre o atendimento com a criança, os pais, a família e a maneira de conduzi-los mantendo a sequência também irá variar dependendo de cada caso.
A Terapia Cognitivo Comportamental é uma maneira muito eficiente para ajudar as crianças a superarem seus problemas. Ela se baseia na ideia de que aquilo que sentimos e fazemos é influenciado por aquilo que pensamos. É por isso que a TCC também examina a ligação entre como as crianças pensam, como elas se sentem e o que elas fazem (Stallard, 2007).
Ao escolher a Terapia Cognitivo Comportamental, seu filho poderá ser ajudado a descobrir a maneira prejudicial de pensar sobre as situações que lhe acontecem. Essas maneiras prejudiciais de pensar podem provocar sentimentos de preocupação, ansiedade, tristeza, raiva, desconforto. A TCC é uma abordagem prática que pode também ser divertida para ajudar as crianças a superarem seus problemas.
Referências bibliográficas
Caminha, Marina Gusmão e Renato M. Caminha e colaboradores. Intervenções e treinamento de pais na clínica infantil. Porto Alegre: Editora Sinopys, 2011.
Stallard, Paul. Guia do terapeuta para bons pensamentos – bons sentimentos. Utilizando a terapia cognitivo comportamental com crianças e adolescentes. Porto Alegre: Editora Artmed, 2007.
Wainer, Ricardo; Piccoloto, Neri Mauricio e Pergher, Giovanni Kuckartz. Novas temáticas em terapia cognitiva - cap. 14 o uso da brincadeira na terapia cognitivo comportamental. Porto Alegre: Editora Sinopys, 2011.
Sobre a Autora
Jaqueline de Carvalho Augusto da Hora Santos
Psicóloga; pós graduanda em terapia cognitivo comportamental; facilitadora credenciada do Programa Friends; utiliza a contação de histórias, recursos visuais e recreação como ferramentas terapêuticas para crianças. Terapeuta colaboradora da Ação Cognitiva, atua na prática clínica com crianças, adolescentes e adultos.
Contato: jaquelineaugusto@hotmail.com
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